segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Cedo demais

Essa semana eu tenho uma tarefa difícil. Difícil demais. Estou ensaiando as palavras certas. Estou com medo de parecer fria demais. Estou com medo de desabar junto. As pessoas se queixam da frieza dos médicos hoje em dia. Não estão erradas. O que elas não sabem é quão difícil é estar ali e não se envolver. A frieza, na verdade, é mecanismo de defesa. Porque se você parar para pensar... a dor é intolerável. Como dizer a um pai que sua filha única de 4 anos vai morrer? Como dizer a uma mulher que ela abortou pela terceira vez? Como dizer para um marido que não foi possível salvar sua esposa? Como dizer para uma criança que seus pais fizeram uma longa viagem? É difícil demais. É uma mistura de sentimentos: impotência, frustração, revolta... Ao mesmo tempo que você quer estar ali para estender a mão, você não quer se sentir responsável por tanta tristeza. "Eu sinto muito." Será que sentimos mesmo ao dar a notícia?! Será que ainda conseguimos sentir?! Ou será que do alto das nossas defesas apenas enxergamos um dado estatístico?! Será que realmente nos cabe dar um número, dizer que as chances de viver são muito pequenas?! Penso em tudo isso e tento me preparar para oferecer consolo, para reconfortar, para segurar a mão e dizer que, juntos, nós vamos tentar. Penso em tudo isso e faço uma pausa para refletir que não devemos nunca renunciar à nossa humanidade. Penso em tudo isso e vejo que agradeço pouco pela minha vida abençoada. Não será fácil. Terei que dizer a um pai dedicado que se sua filhinha de 4 anos falecer após o tratamento que estamos planejando, não poderá haver velório por causa da radiação. Terei que dizer que o tratamento é apenas uma tentativa de desacelerar a doença, que cura é muito pouco provável. Terei que perguntar se eles querem tentar mesmo assim. Me digam... como falar essas coisas? Que faculdade pode nos preparar para um momento assim? Que Deus me ajude em mais essa tarefa!

Love In The Afternoon
Legião Urbana
Composição: Renato Russo

"É tão estranho, os bons morrem jovens
Assim parece ser quando me lembro de você
Que acabou indo embora, cedo demais
Quando eu lhe dizia: - me apaixono todo dia
E é sempre a pessoa errada
Você sorriu e disse: - eu gosto de você também
Só que você foi embora cedo demais
Eu continuo aqui, meu trabalho e meus amigos
E me lembro de você em dias assim
dia de chuva, dia de sol
E o que sinto eu não sei dizer- Vai com os anjos, vai em paz
Era assim todo dia de tarde, a descoberta da amizade
Até a próxima vez, é tão estranho
Os bons morrem antes
Me lembro de você e de tanta gente
Que se foi cedo demais
E cedo demais eu aprendi a ter tudo que sempre quis
Só não aprendi a perder
E eu, que tive um começo feliz
Do resto eu não sei dizer
Lembro das tardes que passamos juntos
Não é sempre, mas eu sei
Que você está bem agora
Só que este ano o verão acabou
Cedo demais."

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